Há quase três anos publiquei aqui no blog um resumo da pequena obra “Para uma Revolução Democrática da Justiça”, de Boaventura de Sousa Santos. Nem é preciso dizer que as idéias do mestre português acerca do problema da justiça brasileira continuam atualíssimas.
Atualmente, o CNJ vem se tornando no órgão mais importante do Poder Judiciário, afastando juízes e Desembargadores de suas funções e deliberando sobre quase tudo; os servidores da Justiça Federal e de vários Estados estão em greve; desencadeou-se por todos os lados a tentativa de criação de mecanismos legais e processuais (das Súmulas Vinculantes, passando pelo Prêmio Innovare, ao novo projeto de Código de Processo Civil) em busca da celeridade processual, da eficiência a qualquer custo, sem oferecer a estrutura necessária aos Juízes de primeiro grau; enfim, um excelente momento para relembrar as idéias de Boaventura de Sousa Santos.
Apenas para ilustrar a necessidade da Revolução Democrática da Justiça, deixando de lado o caráter medieval das eleições das cúpulas dos tribunais, a relação dos dirigentes dos Tribunais com os servidores em greve demonstram claramente a inaptidão de Desembargadores e Ministros para a tarefa administrativa dos Tribunais e gestão de pessoal. Não dialogam, não ouvem e não negociam, pois a “liturgia” de seus postos não permite outro tipo de relacionamento com os servidores que não seja o autoritarismo e a imposição de suas idéias.
Vamos ao texto.
REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DA JUSTIÇA*
As idéias de Boaventura Sousa Santos sobre o tema estão discutidas no mais recente livro do mestre Português lançado Pela Editora Cortez (Santos, Boaventura Sousa. Para uma Revolução Democrática da Justiça. São Paulo: Cortez, 2007), que é uma edição revista e ampliada da palestra proferida em 06 de junho de 2007, em Brasília, a convite do Ministério da Justiça.
Na verdade, os temas relativos à democratização e aceso à justiça já haviam sido abordados anteriormente por Boaventura Sousa Santos em outras obras. Em “Pela mão de Alice”, por exemplo, na terceira parte, com o título “Cidadania, Emancipação e Utopia”, defende o autor que as reformas do processo ou do direito substantivo não terão significado se não forem acompanhadas pela reforma democrática da organização judiciária e a reforma da formação e recrutamento dos magistrados.[1]
Na palestra proferida em Brasília, Boaventura é enfático logo na introdução: “a revolução democrática do direito e da justiça só faz verdadeiramente sentido no âmbito de uma revolução democrática mais ampla que inclua a democratização do Estado e da sociedade.”
Esta revolução passaria pelos seguintes vetores:
a) profundas reformas processuais;
b) novos mecanismos e novos protagonismos no acesso ao direito e à justiça;
c) nova organização e gestão judiciárias;
d) revolução na formação de magistrados desde as Faculdades de Direito até à formação permanente;
e) novas concepções de independência judicial;
f) uma relação de poder judicial mais transparente com o poder público e a media (imprensa), e mais densa com os movimentos e organizações sociais;
g) uma cultura jurídica democrática e não corporativa.
Ao abordar o tema da formação dos magistrados, Boaventura elenca os “sete pecados” desta cultura normativista e técnico-burocrática da atualidade:
1) prioridade do Direito Civil e Penal;
2) cultura generalista de que o magistrado, por ser magistrado, tem competência para resolver todos os litígios;
3) desresponsabilização sistêmica perante os maus resultados do desempenho do sistema judicial, manifestada através de três sintomas: (i) o problema é sempre dos outros, da outra instância; (ii)desempenhos distintos dentro do mesmo Tribunal e (iii) baixíssimo nível de ação disciplinar efetiva;
4) o privilégio do poder junto à justiça, traduzido no medo de julgar os poderosos, de investigar e tratar os poderosos como cidadãos comuns;
5) refúgio burocrático: (i) gestão burocrática dos processos, privilegiando a circulação à decisão; (ii) preferência por decisões processuais em detrimento de decisões substantivas e aversão a medidas alternativas;
6) distância da sociedade: o magistrado conhece o direito e sua relação com os autos, mas não conhece a relação dos autos com a realidade, tornando-se presa facial da cultura dominante. Pensa que está julgando com isenção, mas está julgando de acordo com os ideais da classe política dirigente;
7) confundir independência com individualismo auto-suficiente, que não permite aprender com outros saberes.
Especificamente em relação às escolas da magistratura, Boaventura observa que ainda prevalece a idéia de que o magistrado que se forma na Faculdade de Direito está formado para toda a vida, o que é um erro. A formação da faculdade é genérica e deve ser complementada com formações especializadas e interdisciplinares.
* Resumo elaborado por Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité – Ba
[1] Santos, Boaventura Sousa. Pela mão de Alice. 11ª ed. São Paulo: Cortez, 2006. p.180.
FONTE: Blog do Juiz Gerivaldo Neiva
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FONTE: Blog do Juiz Gerivaldo Neiva
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Sou serventuário, estudante de direito e comungo com as ideias do aludido mestre, citado por V. Exª. Embora tenhamos na universidade um currículo bastante diversificado (ambiental, consumidor, agrário, urbanístico, dentre outras disciplinas, na prática percebemos que o interesse predominante, sobretudo dos discentes é pelo direito civil e penal!
ResponderExcluirSempre questionei a situação de um magistrado de entrância inicial: desculpe-me o linguajar chulo, mas "o cara" tem que ser um "ninja" dominar todos os ramos do direito, pois terá que decidir questões que envolvam relações contratuais, de família, de consumo, de fazenda pública, júri, infância e juventude, crimes... Como acabar de passar em um concurso e enfrentar sozinho todos os processos de uma Comarca?
Outra coisa, salvo raríssimas exceções, magistrados sentem-se seres poderosos: reis, deuses, presidentes ...sei lá, pois fazem questão de se distanciar (ou melhor de não se misturar) com o "zé povinho".
Claro que juiz não vai sentar em boteco e beber pinga com qualquer um, mas deve estar sensível ao conflito que cai em suas mãos: analisá-lo e julgá-lo com atenção, cuidado e buscar, acima de tudo, ser justo e não correr atrás apenas de metas, números, produção.
Há juízes em comarcas intermediárias e na capital, que mal falam com serventuários, salvo aqueles com quem são "obrigados" a manter contato, veja lá com o resto da sociedade/"povão"!
Estou há duas décadas no TJBA e, graças a Deus, tenho tido a sorte de trabalhar com juízes que, em sua grande maioria, tratam os serventuários com respeito e cordialidade, são sensíveis aos nossos problemas e recebem em seus gabinetes tanto advogados como partes para buscarem o que é justo, não se prendem ao claustro ou trono inacessível.
Quanto à V. Exª, percebo, através das leituras de seus textos, como um daqueles juízes que a sociedade tanto necessita.Chegado ao diálogo, aberto para os anseios sociais, independente, sensível!
Há outros tantos juízes como o senhor, que querem uma justiça mais democrática, acessível, efetiva, assim como eu e tantos outros serventuários e graduandos em Direito, no entanto, sozinhos, sem uma estrutura adequada pata tal, nossa luta é árdua, mas nunca vã!
A realidade é triste: juízes abarrotados de processos (metas a cumprir), um serventuário dando conta do serviço de quatro, filas intermináveis nos extrajudiciais, reclamações mil, fóruns com salas abertadas, mal ventiladas, mal iluminadas, cadeirantes tendo que ser atendidos na porta de fóruns ou levados no colo para cartórios e salas de audiências (em muitos edifícios não há rampas de acesso, mas degraus e degraus).
Vivemos em meio a leis e leis: uma abundância que chega ao exagero, mas, efetividade qeu é bom, nada.
O acesso à justiça está indo muito bem, mas de que adianta ingressar com processos se o mesmo vai ficar deitado em berço esplêndido ou empurrado pra lá e pra cá sem que ninguém que se dê ao trabalho de decidir ou, em alguns casos, que não tenha tempo para decidir, pois a todo instante chegam processos aos montes e alguns mais urgentes que outros. Sem falar em processos que duram décadas em razão de recursos protelatórios.
NECESSITAMOS MESMO DE UMA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DA JUSTIÇA!