O Juiz de Direito de Conceição do Coité, Dr. Gerivaldo Alves Neiva, "reconhecendo a internet como uma ferramenta indispensável aos novos tempos", mantem um BLOG. Lá o mesmo publica artigos, crônicas e até sentenças. Chega a ser inacreditável (admirável) a ousadia do Dr. Gerivaldo. O homem se dispõe a ter suas opiniões e decisões avaliadas, analisadas e criticadas, distanciando-se da velha imagem do juiz "intocável". Sua coragem merece todo o nosso respeito. Por isso, segue um dos corajosos textos do Juiz. Com certeza, reproduziremos muitos outros aqui.
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"Ando igual a João Baptista: pregando no deserto
Gerivaldo Alves Neiva *
No mundo jurídico, adotar a posição majoritária é muito cômodo. Basta dizer que se “filia” a tal corrente e andar por aí repetindo jargões. Agora, ser minoritário é que é o problema. O bombardeio é constante, não temos “grandes mestres” e nossas teses estão sempre em construção. O mesmo argumento vale para questões conjunturais que envolvem atualmente o Judiciário.
Por exemplo, contrariamente a muitos colegas que andam se queixando dos vencimentos, eu penso que os Juízes do Brasil ganham muito bem e não existem razões para reclamar.
Além disso, muitos que foram contra, agora “endeusam” o CNJ. Eu, de minha parte, continuo entendendo que o CNJ é apenas um “mal necessário e temporário” diante das aberrações administrativas praticadas pelas cúpulas dos Tribunais e da inoperância das Corregedorias. Fossem bem geridos os Tribunais e ativas as Corregedorias, qual seria o papel do CNJ?
Então, quando a imprensa e a opinião pública fazem dos Juízes seus “judas” em sábado de aleluia, penso que esta reação é mera consequência do comportamento de boa parte da magistratura brasileira, ou seja, é o resultado da arrogância, da prepotência, do distanciamento da comunidade, da criminalização dos movimentos sociais e da velha cultura do “país dos bacharéis.” Não adianta reclamar. Aqui se aplica aquela velha estória da Lei de “causa e consequência.”
Pois é, outra polêmica atual diz respeito à obrigatoriedade para o Juiz residir na Comarca. Li até que a OAB iria requerer providências ao CNJ para que os Tribunais regulamentassem a matéria sobre os tais “TQQs”, ou seja, Juízes que só “visitam” suas Comarcas as terças, quartas e quintas-feiras. De minha parte, no mínimo, penso ser uma grande desfeita para os jurisdicionados saber que o Juiz acha que a cidade deles não oferece condições para sua moradia.
Neste meu pensar e agir garantista, de outro lado, não consigo entender como constitucional uma lei que relativiza o princípio – que não é invenção nossa e nem nasceu com a CF-88 – da presunção da inocência. Ora, não podemos dividir um princípio constitucional em duas faces, ou seja, vale para o processo penal e não vale para o eleitoral. Está certo que o gestor da coisa pública deve ser probo, mas é tão catastrófico eleger um deputado corrupto quanto ferir o princípio da presunção da inocência. Aliás, se o candidato permanece como acusado por décadas, o problema é de quem permite essa situação esdrúxula, ou seja, o próprio Poder Judiciário. Por fim, se mesmo assim é eleito, o problema está na nossa falta de cultura política e democrática.
Assim pensando, nem é preciso aprofundar comentários a respeito das Portarias de “toque de recolher” baixadas por Juízes de Direito, pois notadamente inconstitucionais em face dos princípios da legalidade e da liberdade, no mínimo. Ora, aos Juízes, principalmente, é dada a obrigação de cuidar e defender a Constituição, pois Ela é o resultado da luta de muitos que viveram antes de nós e até morreram para que pudéssemos hoje, inclusive, ter a liberdade e o direito de concordar e discordar uns dos outros.
Por fim, leio e releio os argumentos a favor de dois meses de férias para os Juízes e não consigo me convencer. O mais forte dos argumentos é que o Juiz tem uma jornada diferenciada, pois sempre leva serviço para concluir em casa e que muitas vezes ainda permanece de plantão ou sobreaviso. Ora, novamente o problema é a falsidade da premissa, ou seja, é inconcebível e anormal que um profissional tenha que levar serviço para concluir em casa. Sendo assim, portanto, é tão equivocado ter que levar processos para despachar em casa quanto defender dois meses de férias para Juízes. Nesta balbúrdia, os Tribunais, como sempre, jogam a “batata quente” para os Juízes e estes, embora com as mãos queimadas, ainda posam para a opinião pública como uns “folgados” que querem dois meses de férias por ano.
Sobre esses assuntos, aliás, deixo consignado que tenho quase 20 anos de magistratura, sempre residi nas Comarcas em que atuei, ainda levo processos para casa, devo ter gozado por uma ou duas vezes o benefício de dois meses de férias por ano e, por fim, só tenho a reclamar da falta de melhor estrutura para trabalhar. Mesmo assim, enquanto o TJBa foi o último colocado (com 30,01%) no cumprimento da Meta 2 estabelecida ano passado pelo CNJ, em minha Comarca, sem assessores ou auxiliares, cumpri 86% da tal Meta 2. (julgar todos os processos distribuídos até 31.12.2005).
Sendo assim, vou me livrando das pedradas e com a forte sensação de andar pregando no deserto e sob sol escaldante de 40 graus, ou mais.
Conceição do Coité, 07 de abril de 2010
* Juiz de Direito"
FONTE: Blog do Dr. Gerivaldo Neiva
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